20001112 - Rozane Monteiro

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Texto da repórter do DIA, Rozane Monteiro:

Depois de passar três dias em Teresópolis, sabia que tinha encontrado exatamente o que procurava. Vi uma cidade em pânico porque, à época, duas adolescentes, de 14 e 17 anos, haviam sido estranguladas - no dia em que a matéria saiu, o corpo de um outro menino foi encontrado e naquele momento não se sabia se o crime poderia estar ligado aos outros dois.

Vi uma legião de jovens de várias tribos, que vivem numa cidade que não tem um único cinema, perseguidos, ora pela população, apavorada, ora pela Polícia Militar, que agora os proíbe de se reunir na praça. E vi que alguns deles adoram andar de preto, outros jogam RPG, outros adoram ir para o cemitério e outros se apresentam, mesmo, como satanistas.

Eles estão lá. É só subir a serra, como eu fiz, e conversar com eles.

Falei com, pelo menos, 20 desses jovens, que, naturalmente, preferem não se identificar, tamanho o medo que eles próprios também têm agora. Encontrei também uma investigação séria, feita pela Polícia Civil e pelo Juizado da Infância e da Juventude. Quase 100 meninos e meninas admitiram em depoimento já terem participado de rituais satânicos na cidade e apontaram o nome de um jovem, que seria, segundo seu relato, o líder de uma seita satânica, e está preso por tráfico de drogas.

Jameson Pereira Barbosa, 19, é conhecido na cidade como Vampiro e, segundo seu próprio depoimento ao DIA, é mestre de RPG. Não há qualquer prova quanto a sua participação em rituais satânicos, a não ser os depoimentos dos adolescentes ao Juizado da Infância e da Juventude, e ele nega todas acusações, incluindo a de tráfico de drogas. A polícia também não tem nenhum indício que possa ligá-lo aos crimes. Mas ele está lá, preso, acusado de ter dado maconha a um grupo de adolescentes, e é parte da investigação para se chegar ao autor das mortes.

Isso tudo já é de conhecimento do Ministério da Justiça, que prometeu mandar agentes federais à cidade para, especificamente, saber se as mortes podem estar ligadas a rituais satânicos. Isso prova, portanto, que a suspeita de que exista uma seita satânica na cidade não é fruto da imaginação de uma população em pânico, mas um indício que merece ser investigado.

Quanto à descrição de um dos trechos do livro Gurps, Modo Básico RPG, não há o que contestar. Está lá - qualquer jogador de RPG sabe disso. O livro descreve a forma mais eficaz de se estrangular um ser humano que, por coincidência, é exatamente como as meninas foram mortas. Se está inserido num mundo fantástico, teatral, ficcional, não é exatamente a questão. Está lá. Ao alcance de qualquer um. Ao meu alcance, por exemplo. Eu li e contei.

Apenas relatei, sem tender a uma ou outra análise. Cada um desses fatos foi relatado na matéria. Descrevê-los e contextualizá-los não me parece, sob qualquer ponto de vista, tender ao sensacionalismo. Também não me parece que o RPG tenha sido apresentado como o grande vilão. Ele é, como foi relatado, uma das matizes de um quadro que se desenhou a partir das mortes de duas adolescentes, assassinadas covardemente na cidade serrana.

Ou será que o RPG é intocável a ponto de não poder ser nunca citado num contexto tão assustador? É preciso maturidade para encarar o fato de que algo, em princípio, tão inofensivo - como sabem os jogadores - pode, como acontece em Teresópolis, estar inserido num panorama nada agradável, nada lúdico. É preciso também serenidade para analisar os acontecimentos de Teresópolis a certa distância, sem paixão, e lembrar que a realidade não tem qualquer compromisso com nossos desejos mais sinceros. Compreendo que os jogadores do RPG têm a convicção de que o jogo é absolutamente positivo, educativo, divertido. Não discuti ao escrever a matéria. Não o farei agora. Repito: é preciso maturidade e serenidade.