20001112 - O Dia

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TERROR

A marca do mal na Serra

Federal vai investigar se meninas de Teresópolis foram mortas em rituais satânicos. Acuados, jovens de hábitos considerados estranhos se dizem perseguidos

Por Rozane Monteiro [email protected]

Até outubro, Teresópolis sempre conviveu com as esquisitices de seus jovens. Uns adoram andar vestidos de preto. Outros vão ao cemitério para usar drogas, beber e namorar ou, simplesmente, zoar. Outros tantos fazem a mesma coisa num casarão abandonado. Quatro mil deles curtem um tal jogo Role Playing Game, o RPG. Mas há um mês, depois que duas adolescentes foram mortas por asfixia, Teresópolis se lembrou desses meninos e entrou em pânico. Lembrou-se também de algo que sempre se soube, mas nunca se viu: há quem adore o Diabo em rituais macabros. A ligação de uma coisa a outra chegou a Brasília e, esta semana, agentes da Polícia Federal vão subir a serra para investigar se as estudantes foram mortas em rituais satânicos; os corpos deverão ser exumados e os agentes também querem saber se sites de adoração ao Demônio têm ligação com os crimes.

A história foi parar em Brasília por conta do empenho de Sônia Ramos, 42, madrasta de Fernanda Venâncio Ramos, 17, uma das meninas mortas; a outra foi Iara Santos da Silva, 14. Sônia está convencida de que há ligação entre as mortes e rituais satânicos e que o RPG pode estar sendo usado para cooptar jovens para drogas e satanismo. Mais de 100 jovens ouvidos pelo Juizado da Infância e da Juventude da cidade confirmam a existência de uma seita. Mas não há provas. Os meninos de Teresópolis também estão assustados. Eles já não se reúnem no velho coreto da Praça Baltazar da Silveira, no Centro, para jogar RPG; a polícia sempre aparece para desfazer as reuniões; e quase todos garantem que não adoram o Diabo. Os que adoram, como Pedro (nome fictício), 18, dizem que rituais com sacrifício é coisa de amador.

No primeiro contato com estranhos, os adolescentes juram que nunca jogaram RPG ou ouviram falar do casarão das Pimenteiras, abandonado há mais de 15 anos. Mais relaxados, alguns admitem que já foram ao casarão, mas garantem que foi há um tempão. Claro que também não fazem idéia de quem escreveu em um dos cômodos Satã é o rei.

Finalmente, explicam que hoje, de tanto medo, o grupo de preto os góticos veste camisetas coloridas. Alguns vão ao cemitério. Muitos vão ao bar gótico Psichodellic Clubbers, de Rodrigo Feo, 29, onde ouvem rock e falam da vida numa cidade que não tem um único cinema.

Depoimento: 'Sou livre. Sigo meus instintos' Pedro (nome fictício) * Pô, o cara (Deus) diz: "Não matarás". É só ver na Bíblia aquele montão de gente que ele matou. Aí, o malandrinho (Jesus Cristo) manda dar a outra face se alguém bater na gente. Isso é muito hipócrita. Eu sigo meus instintos e me permito me conhecer. Se alguém me der um tapa na cara, eu revido. Eu sou livre. Satanismo é isso. Não fico preso a um monte de princípios - não faz isso, não faz aquilo, não cobiçarás não sei o quê. Eu posso fazer o que eu quiser. É isso. Simples assim.

Você vê, é muito fácil ser católico. O cara passa a semana toda fazendo besteira. Aí, chega lá na missa e pede perdão. O próprio malandrinho, que dizem que pregava a paz, naquela vez saiu chicoteando os caras que estavam vendendo coisas numa igreja. Não faz sentido.

Isso aí que estão falando, de sacrifício de animais, de ir para o cemitério, para o casarão, de matar gente é coisa de amador. Satanismo não é isso. Esses moleques ficam fazendo essas besteiras e dá nisso.

  • Pedro, 18 anos, é de classe média alta, faz sucesso com as meninas, tem cultura acima da média para sua idade e diz que o Diabo é seu 'patrocinador'

Único preso é acusado de dar maconha a jovens fujões

O único preso até agora é Jameson Pereira Barbosa, 19 anos, Grande Mestre de RPG. Enquanto a cidade ainda estava abatida pelos crimes, três outros jovens sumiram. Eles bem que deixaram bilhetes para avisar que estavam fugindo. Não adiantou. Suas famílias estavam em pânico. Nove dias depois, foram encontrados em São Paulo. De volta a Teresópolis, disseram à polícia que Jameson tinha lhes dado maconha na noite anterior à fuga. O rapaz - que é solteiro, tem três filhos com três ex-namoradas e quer ser neurocirurgião - responde por tráfico e pode pegar pena de até 25 anos. "A polícia está equivocada", diz, na cela da 110ª DP (Teresópolis).

Jameson hoje é conhecido como Vampiro e, segundo a madrasta de uma das meninas mortas, Sônia Ramos, foi citado por alguns dos mais de 100 adolescentes que prestaram depoimento no Juizado da Infância e da Juventude de Teresópolis, onde ela trabalha como voluntária. Ele seria o rapaz visto bebendo sangue humano e comendo cadáveres no cemitério. Ele nega e não há provas. Jameson só admite que adora RPG e ler sobre seitas.

Sua família até admite que ele tem um temperamento difícil - pouco antes de ser preso, foi autuado por agredir a irmã, de 16 anos. Mas todos duvidam que pertença a alguma seita.

O delegado-titular da 110ª DP, Jorge Serra, não tem indícios que liguem Jameson aos crimes.

RPG, o jogo da polêmica

O Role Playing Game (Jogo de Interpretação, numa tradução literal) nasceu nos EUA em 1974. Basicamente, trata-se de um jogo em que os participantes assumem personagens e vivem aventuras narradas pelo Grande Mestre - Jameson, que está preso em Teresópolis, é um Grande Mestre e lidera um grupo que joga o Vampire (Vampiro). É o narrador quem vai descrever onde a ação se passa e atribuir poderes e missões aos personagens. O RPG pode ser jogado em mesa, mas há a live action (ação ao vivo), quando os jogadores se fantasiam para encarnar, mesmo, seus personagens. Também é possível jogar RPG pela Internet.

Há quem considere o jogo educativo. Sônia Ramos não concorda. Um de seus argumentos é um antigo livro de regras do RPG que ela encontrou em casa há anos. O livro - Gurps, Módulo Básico RPG - era do filho mais velho, hoje com 21 anos, que ela proibiu de jogar. "Existem várias maneiras de sufocar uma pessoa. (...) Todos estes métodos exigem que a vítima esteja amarrada ou (...) indefesa", ensina o livro, que tem a ilustração de uma pessoa sendo estrangulada pelas costas, exatamente como Iara e Fernanda.